O novo alvo da bolsa - ISTOÉ Dinheiro

BM&FBovespa pressiona corretoras para contratar os agentes autônomos e provoca mais uma divisão no mercado

O clima estava tenso no auditório da BM&FBovespa na quinta-feira 6 de junho. A sala no primeiro andar do prédio no Centro Velho de São Paulo estava reservada para um encontro protocolar da direção da Bolsa com os representantes de cerca de 50 corretoras de valores. O recinto abrigava, no entanto, mais de 200 pessoas, na maioria agentes autônomos de investimento. Esses profissionais prestam serviços para as corretoras de valores. Atendem clientes e recebem ordens de compra e venda de ações, ouvem as reclamações e as críticas, além de trocar um dedo de prosa com os investidores, movimentando os rumores mais quentes do mercado. Nenhum deles estava de bom humor.

No palco, Edemir Pinto, CEO da Bolsa, repetia o que nenhum deles queria ouvir. As corretoras, disse Edemir, têm até meados do ano que vem para formalizar sua relação de trabalho com esses profissionais. As alternativas são duas. Eles podem ser contratados, seguindo toda a liturgia da Consolidação das Leis do Trabalho. Ou então vão ter de abandonar o expediente no ambiente barulhento e apinhado das corretoras e serão obrigados a abrir escritórios próprios. Isso significa arcar com os custos de aluguel, de informática e de telefonia para continuar atendendo seus clientes. Qualquer que seja a alternativa adotada, seus custos vão subir.

A perspectiva de menos dinheiro no bolso fez com que a recepção a Edemir estivesse longe de ser calorosa. O executivo ouviu vaias e reclamações. “Achei que ele ia ser linchado”, diz Marcos Maluf, sócio-controlador da corretora paulista Um Investimentos, presente à reunião. A pressão sobre os agentes é mais um episódio na queda de braço entre a BM&F e as corretoras. As rixas começaram em 2008. Naquele ano, preparando sua abertura de capital, tanto Bovespa quanto BM&F, que depois se fundiriam em uma mesma empresa, mudaram sua personalidade jurídica. Antes propriedade das corretoras – e apelidadas desdenhosamente de “clube do charuto” –, as bolsas tornaram-se empresas abertas.

Com a fusão, as corretoras viram-se sujeitas a um monopólio. Não há, fora da Bolsa, nenhum ambiente relevante para negociar ações. Mais do que isso, a mudança alterou abruptamente a relação entre ambas. De proprietárias, as corretoras tornaram-se clientes de uma corporação que tem de dar lucro. Assim, serviços essenciais, como telecomunicações, que eram pesadamente subsidiados pela Bolsa, passaram a custar bem mais caro. “A BM&F deixou de fingir que cobrava e as corretoras deixaram de fingir que pagavam, e isso vai continuar assim”, diz um diretor da BM&FBovespa, que não comenta o assunto formalmente. A ofensiva mais recente foi direcionada à situação legal dos quase 9 mil agentes autônomos pessoas físicas registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A partir do ano que vem, as corretoras que não tiverem formalizado a situação desses profissionais não poderão solicitar os selos de qualidade operacional da Bolsa. Instituídos em 2007, esses selos garantem que as corretoras executem corretamente as ordens de compra e de venda de ações e outros ativos financeiros. Quase todos os investidores institucionais, como os fundos de pensão, todos os bancos internacionais e as grandes instituições financeiras brasileiras exigem que as corretoras tenham esses selos. “Na prática, sem eles você está fora do mercado”, diz Maluf. “A Bolsa está dificultando a vida das corretoras.”

A mudança atingiu casas tradicionais em cheio e obrigou essas intermediadoras de negócio a mudar sua forma de atuar. “Tivemos de nos reinventar”, diz a economista paulista Fernanda de Lima, controladora da corretora Gradual. “Investimos pesadamente em tecnologia e em telecomunicações e até o ano que vem vamos regularizar a situação de todos os agentes.” A executiva não comemora os gastos, mas reconhece a necessidade da atualização. “Ninguém gosta de mudança, mas sem essas regras o controle da corretora fica mais difícil”, diz ela. “Ao formalizar a situação, nós reduzimos os riscos de ordens e a ameaça de processos trabalhistas.”


Por Cláudio GRADILONE
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