Por João Guedes Neto
Graduar-se
no ensino superior brasileiro já foi algo de muito prestígio. Atualmente a
situação está se deteriorando. Por um lado, a questão é positiva: a quantidade
de vagas disponíveis se multiplicou permitindo que uma grande massa passasse a
ter acesso às faculdades públicas e privadas. Mérito para programas
governamentais como o Fies, Prouni e Reuni. Por outro lado, a rápida expansão
quantitativa deixou a desejar no quesito qualidade. São comuns faculdades cuja
única função é imprimir diplomas, sem a mínima preocupação com o conteúdo a ser
ensinado.
Uma
das formas de se perceber esta defasagem está na análise da evolução de dados
como a produtividade do trabalhador e a competitividade brasileira em setores
que demandam profissionais altamente qualificados. Vamos entendê-las por
partes.
A
produtividade média do trabalhador resulta da divisão da produção total de uma
economia pela quantidade de trabalhadores. Nas décadas de 1950 e 1960, nossa
produtividade crescia a uma média de, respectivamente, 3,65% e 4,76% ao ano. A
quantidade de anos estudados era mínima. Algo comparável ao Haiti. No entanto,
a rápida industrialização brasileira e o êxodo faziam com que o antigo
trabalhador rural aumentasse o valor de sua produção ao se tornar operário nas
fábricas dos grandes centros urbanos.
Dependemos do remédio amargo da abertura econômica, que permite elevar a
competitividade e valorizar o conhecimento
Na
década de 1990 a média era 1,7% ao ano. Entre 2000 e 2010, passou para 1,17%.
Isto significa que, mesmo com a grande quantidade de novos formandos, programas
como o Fies, Prouni e Reuni não conseguiram superar os anos 1990, década em que
o Brasil contraiu sua economia (e seu gasto em educação) para resolver o
problema da inflação.
Se
isto já é preocupante, o alarme aumenta quando percebemos o que ocorreu com
nossa produção. No ano 2000, 58,4% das exportações brasileiras eram compostas
de produtos manufaturados. Em 2014, este número caiu para 34,8%, melhor apenas
que o índice atingido em 1978. Isto significa que o Brasil é hoje mais atrasado
que nos anos 2000, 1990 e 1980, voltando a ser um país primário como na década
1970.
Mas
com essa nova leva de universitários, incluindo os milhares de jovens formados
no exterior pelo programa Ciências sem Fronteiras, é imaginável que estas
poucas manufaturas exportadas sejam produtos com alta tecnologia agregada. Ao
contrário! Em 2001, 19,24% de nossas exportações eram compostas por bens
intensivos em pesquisa e desenvolvimento. Em 2014, o número caiu para 9,63%. Em
termos práticos, deixamos de fazer aviões para exportar minério de ferro.
Mas
se estamos tão mal assim... A solução é investir mais em educação? Não. Dou um
tiro no meu próprio pé, como professor, afirmando que o investimento é
suficiente e até maior do que necessário. Precisamos de novas leis para
incentivar a pesquisa de alta tecnologia nas empresas? Também não. A legislação
brasileira sobre inovação é recente
e
extremamente moderna. Além do mais, existem diversas linhas de financiamento
exploradas de maneira muito primitiva até o momento.
Em
primeiro lugar, um empresário só se arrisca a investir em inovação se o lucro
compensar o risco. Atualmente não é nossa realidade. A economia brasileira é
fechada. Produtos estrangeiros são caros e demoram a chegar. Neste cenário,
vale a pena ter produtividade baixa e de má qualidade, já que a competitividade
não é tão acirrada. É por isso que nos anos 1990, quando abrimos a economia e
cortamos os subsídios, nossas empresas atingiram seu pico de investimento em
pesquisa e desenvolvimento.
É
verdade que este remédio é amargo. Apesar de ganhos na produção de bens com
alta tecnologia agregada, fomos atingidos por uma maré alta de desemprego como
consequência das falências geradas pela enxurrada de produtos estrangeiros no
país. A amargura, no entanto, é passageira, já que força a classe empresarial a
investir em competitividade e a crescer de forma sustentável visando o longo
prazo. É diferente das políticas protecionistas que, apesar dos altos ganhos de
curto prazo, acabam gerando crises como a que vivemos atualmente.
No
lado da educação, devemos aprender que o diploma em si não vale nada.
Precisamos deixar de lado a cultura de fazer faculdade para prestar concurso.
Pior, devemos parar com nossa mania de delegar poderes aos conselhos federais
que cada vez mais criam reservas de mercado para determinadas profissões - como
se o diploma, em si, fizesse de alguém um profissional mais competente para
exercer funções.
É
por conta desta fixação em diplomas que se tornou comum ouvir em empresas que o
que é aprendido em sala de aula pouco vale no mercado de trabalho. Ainda assim,
é importante para diversos empresários ter em seus quadros alguém com registro
profissional de engenheiro, advogado, administrador, estatístico,
nutricionista, etc. Sem ele, muitas atividades econômicas não podem ser
realizadas, impedindo a viabilidade do negócio.
A
situação se altera quando as empresas passam a buscar um nível de
especialização que ainda não é ofertada. Passa a ser contratado não o
profissional que possui um diploma, mas o conhecimento específico que o torna
capaz de aumentar a competitividade do negócio. Neste contexto, universidades
são pressionadas por seus clientes, os alunos, a deixar de ofertar apenas um
papel mas, principalmente, habilidades específicas que poderão garantir uma
colocação no mercado de trabalho. Isto demanda das instituições de ensino
professores mais qualificados, laboratórios e centros de pesquisa mais
avançados e, principalmente, um processo de otimização no gerenciamento de seus
recursos financeiros.
Mais
uma vez, dependemos do remédio amargo que é a abertura econômica. Não é um
caminho fácil. Mas é a partir dele que construímos uma nova realidade econômica
onde reformas específicas, sejam elas públicas ou privadas, tomam por foco não
a proteção de interesses especiais, mas o aumento contínuo da valorização do
conhecimento e da competitividade.
João Victor Guedes Neto é economista, mestre em Administração Pública e
coordenador do Programa para a América Latina da International Federation of
Liberal Youth. Mail: contato@joaovictorguedes.com.br
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